segunda-feira, 20 de abril de 2020

Sobrevivendo mas com mazelas



Estreia hoje, 20 de Abril de 2020 «O verdadeiro pedaço da Itália» blogue que vai passar a ser um diário onde vou registar tudo sobre a minha situação atual. Vivo numa casa partilhada com Italianos. E estes só mostram quem verdadeiramente são, quando não estou presente ou acabei de virar-lhes as costas. 

Tudo o que aqui escrever  será A Verdade, que vou procurar detalhar e comprovar na medida do possível. Não invento, não interpreto mal. Serei honesta, por defeito de carácter mas principalmente para bem da minha necessidade por sanidade.


Vivo em Inglaterra, onde trabalho e divido casa com desconhecidos. Até o momento nestes meus quase quatro anos aqui, este é apenas o segundo lar que ocupo. No primeiro fiquei mais de um ano, aqui vivo os restantes. Mas, desde o início, não foi uma experiência tranquila. Sentia-me irrequieta, indesejada e posta de lado. Os sinais estavam lá, mas ocultos por sorrisos falsos. A minha natureza autêntica achou que podia estar equivocada e o certo era ignorar essa intuição e tentar aproximar-me das pessoas, dando-lhes tempo para me conhecerem e melhorarem os seus comportamentos.

Qual quê!!
Dois anos se passaram e olhando para trás, cada momento está impregnado em malícia, falsidade no seu estado mais puro, atos de má formação reles de dar dó e muita hipocrisia. 

Se és italiano ou gostas de italianos, pára já de ler.
Provavelmente és "um deles".
Os que não prestam. Os que, por mais oportunidades que lhes dês, serão xenófobos e falsos até o último fôlego das suas vidas.

Italianos podem entrar nesta «casinha», não sou eu que vou descriminar. Mas quero os bonzinhos, os que têm bom carácter, são honestos e não naturalmente intriguistas. Se é que existe algum. Pela experiência é um dado ainda por comprovar.


RELATO DO ANO 2020, Abril, 20.

Manhã:
➧ Vou ao WC às 9h da manhã, tal como fui às 4h. E tal como aconteceu às 4am, quando saio outra pessoa abre a porta do seu quarto e vai para a sanita. Como se estivesse só à espera. É a Godzilla. Está lá dentro agora já vai para meia-hora. Gosta de se sentar na sanita com o telemóvel, a ver programas. Por uma hora, hora e meia, a ocupar um espaço comum e necessário a todos numa casa partilhada. Durante os dois meses em que mantive um emprego de 9h e tinha de sair de casa às 7 da manhã, nunca que a Godzilla, que saia quase às 9h, permitiu-me o uso do WC. Sempre se punha lá antes de mim, intencionalmente. Pura malícia. Ouvi-a uma vez a contar isto em italiano, aos restantes da casa. E riam-se. O chão range e faz barulho só de uma pessoa colocar-se de pé. Quando eu o fazia, ela corria para o WC. Como a reclamar o espaço para si, achando que tem mais direitos de uso, ao ponto de ficar a ver séries por tempo indeterminado. Falta de bom carácter. 

➧ O rapaz escuta-me a sair do andar de baixo onde pretendia regressar de seguida. E apressasse a sair do quarto para ser ele a ocupar a sala. Desço na mesma, com ele lá, porque a minha intenção é ter o gravador a funcionar para registar o início da conversa dos dois, quando eu me ausentar daquele espaço. Será "bom dia, como estás? Sabes que falei com fulano..." e nem sequer entro na conversa ou, como é habitual, sou a primeira coisa que mencionam, sempre com veneno na boca? Confirma-se: começam a manhã logo a descascar na portuguesa. É um gole de café, uma mordida no pão e muita maledicência a acompanhar.

Tendo-os escutado na véspera a praticar de forma vil essa difamação, partilhando-a nas redes sociais com alguém com quem estavam em chat, senti-me injustiçada nas acusações de ser "porca" e deixar tudo espalhado pela casa (mentira!!!) e perguntei-lhe de quem era a mala de computador que está há semanas em cima da cadeira. Ele deve ter percebido e diz-me que quer pedir-me para tirar os papeis de cima da mesa, porque não fica bem e querem manter a casa arrumada agora que dois foram provisoriamente viajar. "Os papéis não dão bom aspecto" - diz-me ele. LOL. Eu, que nunca deixo nada meu nos espaços comuns deixei agora nas últimas semanas devido aos cuidados com o virus, papéis de limpeza para o contacto dos objectos que trago de fora não existir com as superfícies. E vêm pedir para não deixar nada fora do lugar. Eles! Que são bagunceiros e deixam coisas espalhadas na mesa da sala, cadeiras, sofás etc. Ficam copos dentro do cubículo do sofá de uma noite para a outra e a tolerância só é ZERO comigo? OK, não lhes incomoda artigos de dispensa fora da dispensa. Incomoda-lhes folhas de papel de guardanapo, usadas como suporte para impedir o contacto entre umas luvas de borracha e a madeira de uma pequena mesinha usada como salva-conduto enquanto dura o virus. 

Foi preciso os outros dois italianos sumirem de cá (vamos a ver por quantos dias) para eles acharem que agora é o momento para viver numa casa menos atolada.

19h: Oiço baterem à porta e desço as escadas. Abro-a após ver um punho a bater através do vidro. Aparece-me à frente um homem e nisto o colega masculino surge atrás de mim. "Tchicho"! - exclama. "Ah, é o chicho. Não é nenhuma encomenda". Diz ele com o maior descaramento, como se não estivéssemos em quarentena e receber visitas fosse permitido.

Aposto que se fosse eu a fazer 1/3 do que eles fazem, não iam gostar nem um pouco e subitamente iam querer impor as regras! Mas como são eles, não faz mal que a italiana traga para cá o namorado. Nem faz mal que ela viaje durante a quarentena (não mais do que uns dias até agora) e regresse, sabe-se lá vinda de onde e com seja lá com quem andou, trazendo sabe-se lá que virus. Não faz mal - porque são eles a fazê-lo, trazer para dentro de casa um amigo. Se é que é amigo. Cá para mim é só mais um que estão a tentar seduzir. Um que esteve para mudar-se para esta casa, embora ache que já tenha desistido.

Nem sequer avisam: "olha, vou trazer cá para casa uma pessoa". Porque se acham com mais direitos. Agem como se a casa fosse deles e eu apenas uma inconveniência da qual não se conseguem livrar.

Voltei a subir as escadas e voltei a descer à cozinha, como já pretendia fazer. Optei por ligar o telemóvel no modo vídeo, não fosse preciso comprovar que, durante a quarentena, eles trazem gente cá para dentro. Tenho a certeza de que quando vou trabalhar fazem-no com frequência. Encontro a porta destracada várias vezes quando chego a casa depois das 11 da noite. Numa rua cheia de gente drogada, bêbada, que anda a vaguear... Também isso não lhes incomoda. Como são eles a fazê-lo, não faz mal. Gozam-me por lhes dizer que encontrei a porta aberta. Se está sem trinco, muito provavelmente foi porque uma visita saiu ou entrou.

Mas o mais repelente foi o que eles me fizeram quando me viram Segurava o prato que ia lavar e estava na entrada da cozinha a aguardar que desobstruíssem a passagem. Afinal de contas, estamos todos de quarentena e um estranho acabou de entrar na casa onde moro, chamado pelos dois que cá estão. Sem me dizerem nada e agindo como se fosse normal. Entra, impondo de imediato a distância social que o governo colocou em cartazes por todo o lado que é obrigatório cumprir e nem sequer se desvia para eu passar. Os italianos ficam sempre na cozinha, andam de um lado para o outro, da gaveta para o fogão, depois para o lavatório, depois para o forno, depois para o armário... E não estão a fazer realmente nada. Estão só a certificar-se que ocupam aquele espaço, fazendo questão de ocupá-lo por inteiro, o dia todo. E depois ainda fazem graçolas quando consigo "penetrar" e faço uso do microondas! São cinco minutos e preciso de comer. Caramba! Não dão tréguas, são simplesmente indecentes. Gente reles.

Ainda ontem de noite, vi-os abrir uma garrafa de vinho. Não ofereceram. Colocaram os copos na mesa onde todas as noites (e dias) se sentam e tomam como exclusivamente sua. E dão continuidade ao ritual individualista e exclusivo de comerem juntos. NUNCA me convidaram a juntar-me a eles. NUNCA oferecem nada. Não o fizeram na sexta-feira santa, nem no domingo de Páscoa. Espalharam pela sala os bonequinhos Kinder-surpresa dos ovos de chocolate que andaram a abrir na ocasião. Nunca me ofereceram um pedaço que fosse.

Grande espírito pascoal, oh sim senhora!
Cristo que tudo vê neste seu dia de ressurreição deve ter sentido orgulho de ver o comportamento por eles exibido. A sua mensagem de amor ao próximo, o seu sacrifício, tratado como pérolas a porcos...  Acho até ofensivo ser-se assim. E são italianos, cheios de tradições cristãs para esta altura do ano. Que vergonha! Eu teria, se fosse um deles...

Excluem-me intencionalmente, para magoar. E agora, porque estavam a receber alguém de fora, subitamente disseram-me: "queres?". Fiquei a observar o cinismo. O à vontade com que representavam um papel!

O rapaz foi o primeiro. Estava a abrir uma garrafa de vinho - uma de tantas pois todos os dias bebem uma. Têm até a ousadia de as armazenar no meu frigorífico! Jamais que isso os incentivou à partilha. E agora, motivados pela presença de alguém de fora e por nenhum outro motivo que não esse, perguntou se eu queria. "A sério?" - reagi.

Não sabia como reagir. Tive o impulso de dizer: "Se vocês quisessem mesmo que eu participasse informavam-me dos vossos intentos. Todos os dias bebem vinho e nunca me ofereceram um copo! Agora estão a fazê-lo agora só porque têm público?  Nos outros dias não oferecem, só se lembram quando têm visitas? Sei que estão a ser cínicos e com cinismo não quero nada!"

A falsidade que lhes corre nas veias deixa-me sem reacção. JAMAIS iam oferecer o que fosse, não estivesse ali o rapaz-de-fora. Rapaz esse que nunca me foi apresentado, como é usual se fazer. Nesta casa, eu encontro casualmente pessoas nos espaços e é suposto agir como se nada fosse. Ninguém me é apresentado. É triste, mas é a realidade. Gente tão adulta. A idade não muda nada. Os comportamentos não melhoram só porque a pessoa amadurece. Supostamente devia ficar mais sábia. Ou mais generosa. Mas é mito.

Ou já se é assim, ou nunca se vai aprender.
Eu sou.
E sofro muito por ser.

Este é o mesmo rapaz que apareceu cá para jantar na sexta-feira santa. Nessa noite, tendo sida colocada de parte até para saber que iam dar um jantar todos juntos, decidi confrontá-los como se nada fosse e desci à cozinha para preparar um jantar para mim. O "convidado" ficou assim a saber que havia outra pessoa na casa que foi excluída do convívio. Isso deve ter-lhes caído mal.

Ele viu que essa pessoa teve de ir cozinhar algo à parte, porque os restantes não a convidaram a sentar à mesa naquele que é um dia santo! Podia-se ter perguntado: "porquê não senta ela à mesa connosco?" .

Eu até mostrei-me simpática, como se aquilo não me atingisse. Enquanto cozinhava, eles levantaram-se da mesa e começaram a andar pela cozinha, só para bloquear-me os movimentos, para que ficasse menos à vontade. Com boa disposição, contei-lhes que estava a escutar uma receita no youtube e a pessoa era muito engraçada... Dei a entender que estava bem e que não me deixei afectar pelo jantar em que fui excluída.

Isso deve ter feito com que temessem o que convidado ia pensar deles. Este ainda não foi "convertido". Está a ser agora, provavelmente, neste preciso instante. É o habitual modus-operandi. Até existir a "conversão", que consiste em dizer horrores da minha pessoa, a quem se referem de forma depreciativa como "a portuguesa", agem como se fossem muito correctos comigo. Pura representação. Só por isso o rapaz "ofereceu" um vinho que não queria mesmo oferecer. Logo de seguida, já os três sentados à mesa sem me terem incluído, na sua voz mais calma e cínica, a Godzilla, chamando-me pelo nome, perguntou se eu queria um pouco de pizza.

Pizza... algo que nunca me ofereceram das tantas e tantas vezes que já a fizeram. A Godzilla até deixa fatias empilhadas umas em cima das outras no tampo da ilha da cozinha. Certificando-se que eu as vejo e sabendo muito bem que não mas oferece. Tanta vez eu entrei na divisão, ela está lá, nada me diz, ouve outra pessoa a aproximar-se atrás de mim ou a meter a chave à fechadura e rapidamente dispara: "Queres uma fatia de pizza? Tens aqui pizza, é só te servires".

Disse isto a tantos, comigo ali, sem nunca me estender a mesma cortesia.
Pura crueldade.

Eu, portuguesa que sou, o meu instinto ao perceber tal crueldade praticada a uma pessoa, seria logo adicionar a pessoa excluída à oferta. Diria algo como: "Ah, que simpático. Fulana também pode comer uma fatia?" - e assim, de uma tacada só, mostrava que não ia embarcar na dela de excluir uma pessoa sem motivo algum.

Mas isso sou eu, a portuguesa, como eles me chamam pelas costas de forma depreciativa. É o meu sangue "ruim" a falar...

O cinismo é algo com que não consigo compactuar. À oferta cínica dela respondi, depois de uma curta pausa que me pareceu longa: "Não, obrigada". E ela reagiu... "Oh, all right".

Percebi de imediato que estava a plantar a sementinha para poder queixar-se que sou eu que não me junto a eles.

A falsidade!
Teria até sido indigesto.

Devia ter percebido que algo estava por se passar, porque ela andou a arrumar um pouco mais a casa.  Isso sempre foi sinal de "convidado na costa". Como se todos estes meses de bagunça pudessem ser obliterados, apagados, esquecidos. E tiveram a audácia de me dizer, a mim, que não tenho nada nas áreas comuns, para tirar uns guardanapos de papel onde coloquei coisas que trouxe da rua de cima da mesinha redonda. Mesa essa que só passei a usar depois de instalada a quarentena, após regressar do emprego, onde ligo com mais de um milhar e parcelas, transporto dúzias de trolleys, toco em tanta coisa e estou em contacto com tanta gente. Sim, tomo precauções, uso máscara o tempo todo, uso luvas, lavo as mãos. Mas é sempre um risco. Quando chego a casa, quero mais é deitar tudo a um canto e deitar-me. Mas decidi colocar com cautela tudo em cima de uma mesinha redonda e fazer daquele pequeno espaço habitualmente não usado por ninguém sem ser por mim, uma espécie de Safe-heaven, onde o que vier da rua fica por ali e não espalhado por vários lugares. No fundo, deixo ali o saco plástico que transporto. Mas no sábado de noite, quando regressei do emprego, claro que tive de lavar toda a roupa que tinha no corpo. Chapéu inclusive. Casaco também. Esvaziei os bolsos, que continham dois papéis desinfectantes e meti-os em cima de uma folha de papel, para não ficarem em contacto directo com a superfície da mesa, a qual encharquei de liquido desinfectante a noite anterior.

Em dois anos tenho mantido as minhas coisas guardadas, não tenho o hábito de deixar nada cá fora. O que não é assim tão fácil. Se vivemos num lugar, queremos que ele seja um pouco nosso. Se for, de vez em quando apetece deixar um copo por lavar, algo fora do sítio... Mas eu sei que estou a partilhar este espaço. Então não faço isso. E faz dois anos que, salvo excepções que nem foram dignas de ser recordadas, acho que só umas três ou cinco vezes é que algo ficou esquecido. E nada de relevante.

Não tenho nada pessoal na sala inteira, nem na cozinha. Mantenho os meus mantimentos DENTRO do armário e não fora. Os italianos, ao contrário, têm tanto espaço e parece que nunca lhes é suficiente. Coisas que qualquer português sabe que pertencem DENTRO de armários (é para isso que foram criados), eles espalham no tampo da cozinha. Olhem aqui uma foto da «nossa» ilha.


Nada disto é meu. São latas de batatas fritas, batatas cruas, garrafas até mais não, chocolate em pó com mais de um ano... Parece arrumado? Não.

Quando entrei na casa ainda mantinham os mantimentos dentro dos armários. Depois foi um desatino total. A minha contribuição para isto? ZERO. Nos espaços comuns tenho apenas uma coisa: a jarra em cima da lareira. E mais nada. Tive também um peluche, que achei na rua, lavei e pretendia oferecer a uma criança que passasse, das muitas que aparecem a caminho do parque. Quando vieram as obras, deixei-o na sala, em cima da prateleira da lareira. Não atrapalhava em nada. No regresso, claro, encontrei-o sujo, atirado para o chão, entre o sofá e a parede, cheio de teias de aranha. Foi a Godzilla. Ela tem uma aversão à presença na casa de artigos que não pertencem a italianos. Está sempre a querer livrar-se deles. Pelas costas, critica, goza, ridiculariza. Acha que a casa é dela. Quer ser ela a decidir o que fica à vista.

A Godzilla é uma coleccionadora de embalagens vazias. Ele é detergentes, spray ambientadores, frascos vazios de líquido de bocejar a boca, cosmética, sabonete, etc. Mas alguma vez isso a incomoda? Não. É como se não tivesse espelhos em casa. Os defeitos que a escuto falar de mim, encaixam-lhe como uma luva. Tudo o que sai daquela boca vernácula descreve-a muito melhor a ela mesma do que à pessoa que está a tentar denegrir.